Com Enfisema pulmonar, Chico Anysio quer ser cobaia das células-tronco

por Simone Miranda, jornal Extra, 9/jul/2007

 

Calça de flanela, chinelo nos pés, sorriso fácil. Chico Anysio parece ser a tradução fiel da serenidade, sentado na ampla sala de seu apartamento, na Barra da Tijuca. A aparência e a disposição para contar casos mal refletem o drama que se esconde, literalmente, em seu peito. É ele quem verbaliza o motivo de sua angústia:

— Tenho 50% do pulmão, o resto é palha.

Chico não exagera: por ter escolhido o cigarro como companheiro durante mais de 30 de seus 76 anos, o humorista acabou se tornando um dos 5,5 milhões de brasileiros vítimas de doenças pulmonares obstrutivas crônicas, as chamadas DPOCs. O problema, que ainda não tem cura, caracteriza-se pelo desenvolvimento da bronquite crônica ou do enfisema pulmonar — ou de ambos. De acordo com o presidente da Comissão de DPOC da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, Aquiles Camilier, trata-se da quarta maior causa de morte no mundo:

— As primeiras alterações são o pigarro da manhã e a tosse, que costumam passar por algo normal. Depois de 10 ou 20 anos de tabagismo, vem o sintoma mais grave, que é o cansaço para subir escadas, para fazer atividades físicas, para falar. Então, quando a pessoa procura o médico, a doença já está avançada.

Em entrevista ao EXTRA , Chico relata seu drama. E mostra que o cigarro o fez perder o ar, mas não a esperança. Nem a piada.

Você fumou por muito tempo?

Por trinta e tantos anos. Parei de fumar há 22, mas o enfisema é um mal que o cigarro causa e que não tem volta. Quando eu paro de fumar, o que eu consigo é estacionar o enfisema naquele ponto, porque não tem como voltar, não tem regressão.

Em que o enfisema limita as suas atividades?

Em tudo, principalmente pelo cansaço. Eu me canso com uma facilidade! Vou daqui ao meu quarto e já é uma caminhada. É longe o meu quarto. É “loooonge”... Você não faz idéia! Eu vou até aquela sala, volto e, quando chego aqui, tenho que parar para descansar. No aeroporto, uso cadeira de rodas. Vou para o Claro Hall (atual Citibank Hall), cadeira de rodas.

Você se priva de sair de casa, então?

Claro. Viajar eu não viajo mais, porque viagem significa caminhar para ver as coisas, e eu não conseguiria. Por exemplo, o Museu do Prado, que eu adoro, em Madri: como é que vou até a sala do Velázquez? Tudo é longe, então não viajo mais. O que eu tinha que ver no mundo já vi.

E como é trabalhar com enfisema pulmonar?

Eu gravo, fiz uma novela agora. Mas eles não me dão caminhada. Tudo meu é “mais menos” (mais leve). Mas o problema é o pulmão. Minha cabeça vai bem. Estou gravando um programa para a Globo Internacional chamado “Papo furado”. No mês de julho, escrevi 18. E dirijo o show do Nelson Freitas.

Você decidiu parar de fumar devido ao enfisema?

Não, eu já tinha um enfisema, mas não sabia o que era um enfisema. Parei de fumar porque achei que estava na hora. Eu tinha muita tosse. Meus filhos sabiam que eu tinha chegado pela minha tosse. Aí, tive uma embolia. De tudo o que eu fiz na vida, das bobagens todas que eu cometi, só me arrependo de ter fumado. Foi realmente uma bobagem muito grande.

E por que começou?

Sou vítima de uma época em que homem fumava... Fumar era bonito. Mulher fumava com piteira. Os galãs antigos de cinema, todos fumavam. Eu passei a fumar porque no colégio, na minha turma, só eu não fumava. Estavam achando que eu era mariquinhas porque não fumava, tinha até isso. Mas eu não podia fumar. Da primeira vez, vomitei. Foi um gosto péssimo. Eu briguei para fumar. Consegui fumar dois cigarros, consegui fumar três... E assim eu fui.

Você passou a fumar muitos cigarros ao dia?

Eu era o único artista que fumava no estúdio da Globo. Se eu não fumasse, não tinha programa. Eu entrava no estúdio e o contra-regra me dava um cigarro aceso. Acordava no meio da noite e fumava. Eram três cigarros em jejum. Acendia o cigarro entre o primeiro e o segundo tempo, jogando futebol!

E como você fez para largar o cigarro?

Usei o método do Tarcísio Meira. Na primeira semana, você fuma um cigarro de hora em hora. Na segunda semana, de hora e quinze em hora e quinze. Na terceira, de hora e meia em hora e meia. Na quarta, de duas em duas horas. E, no segundo mês, fuma quando for impossível não fumar. Quem está querendo deixar, deixa. Mas tem que estar querendo.

E assim você foi diminuindo o número de cigarros até não sentir falta dele?

Não. Eu enfartei quando fumava três cigarros por dia, e já ia parar. Já tinha começado o método havia dois meses. Então, quando o médico disse que eu não podia mais fumar, já não tinha mais importância.

Você acha que enfartou por causa do tabagismo?

Sim. Eu não sou cardíaco. O meu enfarte foi uma produção do cigarro. Fiz uma angioplastia e a coronária descendente e as colaterais estavam todas entupidas. É como se houvesse um acidente que deixasse a Avenida Copacabana, a Paula Freitas, a Hilário de Gouveia, a Siqueira Campos, todas obstruídas. Então (a angioplastia) desobstruiu a descendente e fiquei seis dias na UTI. Fui para o quarto, fiz outro cateterismo e a descendente estava entupida de novo, mas todas as outras haviam sido desentupidas porque, naquele período, deixei de fumar 18 cigarros, que é menos de um maço. O cigarro é pior do que a cocaína, porque a cocaína o cara compra escondido, usa escondido, cheira escondido e é caro. O cigarro você compra ali e sai fumando, em qualquer lugar.

Você conhece outros métodos para parar de fumar?

O meu primo parou de fumar fumando apagado. Ele sentia falta da mecânica: pegar o cigarro, apanhar o isqueiro, acender. E, fumando apagado, parou, porque se satisfez com a mecânica.

Você é daqueles ex-fumantes que dão conselhos para os filhos e amigos fumantes?

Meus filhos não fumam. Não fumam nem andam de moto. Para os amigos, só peço para não fumarem perto de mim, porque tenho um problema sério no pulmão. Senão o cheiro fica aqui dentro, é o tal do fumante passivo.

E o que você sente quando vê as pessoas fumando?

Outro dia fui à varanda e, quando olhei lá embaixo, havia um cara querendo acender o cigarro, mas o vento não deixava. Eu falei para mim: “Olha aquele cara lá, o vento o ajudando e ele não está entendendo”. Aí ele arranjou um jeito, conseguiu acender, e vai ter um fim de vida como eu estou tendo: vou daqui até ali e chego cansado. Mas podia ser um câncer. O enfisema foi um presente que eu ganhei porque, pelo tanto que eu fumei, o certo seria um câncer.

Você tem esperança de melhorar?

Minha grande esperança são as células-tronco. Quero ser cobaia das células-tronco. Eu tenho um amigo em Nova York e pedi a ele para me avisar quando tiver algo lá.

Mas você não tem medo de ser cobaia de um estudo?

Nenhum. Que mal vai me fazer?

Tem acompanhado as experiências com células-tronco direcionadas a outras doenças?

Tenho, e sei como se faz. Você retira do ilíaco (osso da bacia) o líquido e o injeta na veia, em um hospital. Você tem frios, calores, dores, mal-estar. Durante dois dias, você não sabe o que vai acontecer. É ela (a célula-tronco) várias e várias vezes circulando em todo o seu organismo. Ela pára no lugar onde é mais necessário, porque ela é inteligente. No meu caso, ela pararia no pulmão e ficaria ali, fabricando alvéolos novos. E me daria um pulmão novo.

E você acha que, se surgir um estudo, teria condições físicas de ser aprovado como cobaia?

Claro, porque tudo meu é zero. Minha pressão é 12 x 8, tenho 83 batidas. Não tenho altos níveis de colesterol nem de açúcar no sangue, nem diabetes. Só o meu pulmão é um desastre. Eu tenho 50% do pulmão, o resto é palha.

Seu enfisema não estacionou com o início do tratamento?

Estacionou, mas piorou com a embolia, que tive há uns quatro ou cinco anos. Mas não ter morrido com a embolia já foi uma boa.

Como é seu tratamento?

Faço fisioterapia de segunda a sexta. Faço a parte muscular — estica, pula, levanta — e respiratória também. E tenho uma esteira ali, mas não uso porque não consigo.

Você toma remédios?

Tomo uns que são para o geral da vida: um de alho, outro de alfafa. E tomo os remédios da depressão, porque, tendo nove filhos e seis casamentos, se eu não tivesse depressão, era um doido.

E esses aparelhos de oxigênio que você tem em casa, também são usados?

Não, só quando se faz exercício. Eu não faço exercício, então para que isso? Não uso a esteira, porque boto para funcionar, ando um pouco e já não agüento mais. Tentei durante 15 dias. Exercício faz um mal danado. (risos)

Como assim, Chico?

Tenho uma tese de que o sedentarismo dá longevidade, porque quase não há atletas com 80 anos. A rainha da Inglaterra morreu com 104 e o único exercício dela foi contar dinheiro. Dorival Caymmi tem quase 100 deitado na rede, só levanta para ir ao banheiro.