Capítulo 24

É, MAS A GENTE PRECISA DE UMA MULETA

 

"A gente deixa o cinema achando que, como ali na tela, se o mundo aqui de fora tiver salvação, será pelo afeto". Zuenir Ventura, trecho de sua crônica publicada em O Globo (15/nov/03), sobre o filme Invasões Bárbaras.


O Universo

É voz corrente entre os fumantes que não estão conseguindo largar a nicotina, que o cigarro é uma muleta que os ajuda a viver, a enfrentar os problemas da vida. Quando estão tensos, que o cigarro os acalma, quando sozinhos e deprimidos, que não existiria nada igual. Enfim, o cigarro acaba sendo comparado a um bom companheiro. Na verdade, ele até pode ser considerado um "companheiro", uma vez que o adicto precisa da sua presença constantemente, mais do que da de seu melhor amigo ou amiga. Quando a ser considerado "bom", vai uma distância como entre a Terra e Júpiter.

Júpiter,   visto da Hubble.

Que precisamos de ajuda, para mim não há qualquer dúvida. Basta sairmos um pouco de nossas poltronas e, com o pensamento, nos elevarmos à altura da Lua, por exemplo, para não ir mais longe. E, ainda usando a imaginação, nos olharmos lá de cima. O que veríamos ? Veríamos um ser humano(nós), em meio a mais de outros 6 bilhões de seres humanos, praticamente sem qualquer comunicação afetiva. Trafegando aparentemente sem qualquer destino definido. Leve sua imaginação ( e uma baita máquina de calcular) ainda mais longe e pense que vivemos num Universo que tem , segundo o meu livro de cabeceira da época de adolescente _ O Universo, de Isaac Asimov_ cem bilhões (100.000.000.000) de galáxias iguais ou parecidas com a nossa e cem bilhões (100.000.000.000) de estrelas para cada galáxia.

Viver como se não precisássemos de auxílio, seria uma falta de humildade descomunal e mesmo uma prova cabal de falta de inteligência. Quem sabe, a mesma que nos leva a crer, piamente, que o único planeta habitado seja o nosso?

Para aumentar ainda mais o mistério e fazer a gente quebrar ainda mais a cabeça, os cientistas da NASA nos informam que esse Universo, manifestado como o conhecemos, tem 13 bilhões e setecentos milhões de anos !?!

Apesar destas informações serem bastante impactantes e algo inacreditáveis, nada para mim se compara àquela que dá conta de que metade do dinheiro disponível na Terra está nas mãos de apenas 360 (trezentos e sessenta) pessoas. Vocês conhecem alguma coisa tão fantástica quanto esta? Chega a ser hilário, ver políticos candidatos à presidente, governador, senador, deputado ou vereador, prometerem melhor distribuição de renda para que a população possa viver mais condignamente. Vivemos numa sociedade que aceita que metade do dinheiro do planeta fique com apenas 360 pessoas e, a outra metade, tenha que ser dividida com mais de 6 bilhões de patuléios. O buraco, como diziam os antigos, é muito mais em baixo.

Vejamos a situação brasileira como anda, com o salário mínimo de R$ 300,00. Pois que bem, na Padaria e Confeitaria Osório (situada próximo à minha casa, na Rua Dias Ferreira, Leblon, Rio de Janeiro, Brasil, América do Sul, Planeta Terra, Sistema Solar), uma xícara de cafezinho preto custa R$ 0,70 e o pão francês com manteiga R$ 0,90. Se um trabalhador que ganhe esse salário ( e que já dá graças a Deus por estar empregado ou ter trabalho) resolve manter-se e à sua esposa (imaginemos que ele tenha uma) com 3 (três) refeições por dia de cafezinho com pão com manteiga comprados na Padaria e Confeitaria Osório, quanto seria a sua despesa mensal ?

1 cafezinho + 1 pão com manteiga = 1,60 + 1,60 ( da esposa ) = R$ 3,20

R$ 3,20 x 3 refeições por dia = R$ 9,60 por dia para o trabalhador e a esposa

R$ 9,60 x 30 dias do mês = R$ 288,00 ( o trabalhador e a esposa gastam com 3 (três) refeições por dia de cafezinho com pão com manteiga quase tanto quanto valor do salário mínimo vigente no meu país_ R$ 300,00 _ setembro/2005)

Maria Antonieta, aquela que em um dado momento da história sugeriu os brioches e parou de precisar de luzes, mechas, henna ou relaxamento capilar, se viva fosse, ante tal evidência, perguntaria: "Como esse casal pode comer em padaria? Eles deveriam preparar as suas refeições em casa!".

Por incrível que pareça, é justamente entre esses brasileiros, os que recebem o salário dito mínimo e até menos, insuficiente para três cafezinhos com pão com manteiga diários, que vemos a maior incidência de tabagismo, a menor parcela que consegue abandoná-lo e é também onde se situa a parcela menos instruída da população. É totalmente injusto os trabalhadores brasileiros receberem tão pouca ajuda para abandonarem o fumo e, que seus filhos sejam tão pouco conscientizados sobre esse problema. Muitos que recebem o salário dos três cafezinhos, vivem sob um estresse inimaginável pela maioria das pessoas do planeta. A soma de dificuldades que vivem diariamente torna o enfrentamento da síndrome de abstinência em nicotina uma tarefa maior do que os doze trabalhos de Hércules. Muitos utilizam-se da nicotina como um bálsamo para aplacar o seu sofrimento diário.

Bom, apesar destas divagações todas, a verdade é que o cigarro só tem o poder de "acalmar" o seu escravo. A nicotina que se esvai pela urina, sob forma de cotinina, nos momentos de stress, angústia ou ansiedade, quando reposta, provoca uma aparente tranquilidade. Aquele que não fuma e resolve fazê-lo quando num stress qualquer, tudo o que vai conseguir é continuar estressado e vai , além disso, tossir.

Para terminar, o cigarro não serve de muleta porque, além de curtinho, é fragil. Definitivamente, não deveria ser imaginado como um apoio.

Enquanto há pessoas que não param de fumar por causa da solidão, outras, como meu amigo Gerard Moss, suiço naturalizado brasileiro, não a temem e nem precisam de tabaco para enfrentá-la... No dia 20 de Junho de 2001, partiu totalmente só, para a aventura de quebrar uma marca, a de ser o primeiro homem a dar a volta ao mundo num motoplanador. Normalmente, ele realiza essas aventuras acompanhado de Margi, sua esposa. Em 1992, os dois deram a volta ao mundo num avião monomotor. Entre ser um aviador solitário e detestar a solidão há um bom pedaço, porém, o tabaco não é parte necessária nessa equação.

fotos Lê Milagres, 20/06/2001

( http://www.asasdovento.com.br ) ( http://www.wingsofwind.com )

Gerard Moss, momentos antes de zarpar do Rio de Janeiro, para dar a volta ao mundo, a primeira num motoplanador. Sua aventura durará, aproximadamente 100 dias e pode ser acompanhada por vocês. Além da adrenalina da excursão, ele também realizará um projeto super valioso, o de medir a poluição ambiental mundo à fora, inclusive a dosagem de ozônio.

Bom, em 28 de setembro de 2001, Gerard Moss estava de volta, são, salvo e cheio de histórias e pesquisas para contar, sem ter tido nenhuma necessidade de nicotina...

A idéia de usar o cigarro como um bálsamo para a solidão, tem feito muita gente boa custar a decidir-se pelo abandono do fumo. Realmente, esse companheiro sabe fazer-se indispensável, pelo alto poder de crias escravos. 

Portanto, o melhor é não dar mole pra Kojac, não brincar com fogo, isqueiros, palitos de fósforos e cinzeiros. Muitos, infelizmente, parecem surdos a qualquer alerta, só tendo ouvidos para a fumaça.


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