Capítulo 16

DE QUE OUTRO JEITO A GENTE CORRE O RISCO DE VICIAR-SE EM NICOTINA?


Igor Revyakin © Rússia

8o. lugar - concurso mundial de cartoons anti-tabaco, Flórida, USA, 2001

Temos falado muito do cigarro, mas ele não é a única forma da gente se tornar nicotino-dependente. Ao contrário, foi a última forma. Em 1900, nos Estados Unidos, 54 cigarros eram consumidos per capta ao ano. Pela industrialização, com a expansão das máquinas de fazer cigarros, junto com a capacidade dos publicitários em divulgar as maravilhas que seria fumar, em 1963, este consumo de nicotina passou para 4.345 cigarros per capta ao ano.

Campanha da revista TRIP, produção de publicitários da agência Master, com apoio do Ministério da Saúde.

Antes da era da industrialização, usava-se o tabaco como um pó, chamado rapé. Era presença marcante nas altas rodas sociais, cheirava-se o pó e era-se acometido de sucessivos espirros. Aquela sensação era considerada o barato da época. Os mais ricos tinham caixinhas de ouro ou prata, para guardarem seus pozinhos. Existia também micro-depósitos em anéis de ouro. Após algumas experiências, tornavam-se viciados em nicotina como os fumantes atuais. Aliás, por falar nas caixinhas de ouro e prata como sinal de riqueza, os fumantes da metade do século não ficaram atrás, era sinal de charme incrível agrupar os cigarros em caixinhas também de metal nobre, as conhecidas cigarreiras. Quando queriam ser finos, tiravam a caixinha do bolso do paletó e ofereciam o cigarro para a dama, após um leve movimento com o chapéu, como se fossem retirá-lo da cabeça.

Outro jeito bem antigo, eram os rolos de folhas de tabaco curtidas, chamadas de fumo de rolo. Podiam ser mastigadas (e, após um tempo, cuspidas) ou picadas e enroladas em papel de palha quando então eram fumadas, como os cigarros modernos. Os mais velhos, principalmente da roça, ainda hoje podem ser vistos mascando seu fuminho, com aqueles dentes amarelinhos.

O cachimbo imperou no século XVII. De Saci Pererê à Sherlock Holmes, os cachimbos sempre rondaram o imaginário moderno. Sendo o século XVIII, o da difusão do rapé e do fumo de rolo. Posteriormente, surgiram os charutos e as cigarrilhas. A primeira cigarrilha brasileira foi a Talvis que, quando foi lançada, tinha uma campanha para lá de original : "talvez eu fume uma talvis". O século XIX, foi o período de ouro dos charutos.

Che Guevara, mito de alguns dos jovens de minha adolescência, ajudou a difundir a imagem dos charutos.

Revista Quem, ano 1 no. 46, 27/07/2001

O tabaco tem sempre alguém para usar uma frase de efeito por ele. A indústria do fumo deve agradecer penhoradamente. Os formadores de opinião bem que poderiam dar um tempo, pois, quem os acata se estrumbica... Nós que trabalhamos na saúde pública brasileira, tendo que lidar com todo o tipo de dificuldades, incluindo a FALTA DE RECURSOS de toda espécie, muitas vezes temos vontade de chorar quando um formador de opinião, do porte de um ator como o Antônio Fagundes,diz uma barbaridade desta... A influência que esta mensagem pode exercer, num país onde pessoas muitas vezes não têm o dinheiro da passagem de ônibus para irem aos postos de saúde, é totalmente dispensável. Até porque, se um charuto pode trazer "momentos de calma e reflexão", as dezenas de doenças que ele produz não são nada relaxantes e a única reflexão que elas incitarão então, será a de como foi que pudemos ser tão idiotas em confiar cegamente nos poderes calmantes e reflexivos da nicotina.

O cigarro tinha vindo também acabar com os inconvenientes dos charutos e cachimbos que se apagavam constantemente. Um de meus pacientes mais recentes chegou ao consultório com uma tala no braço e, ao ser interrogado, disse-nos que o diagnóstico de seu ortopedista fora o de tendinite por abuso do uso do isqueiro (vocês podem imaginar a grandeza de seu vício em nicotina, inclusive pelo fato de que, apesar desta situação lamentável, ele não se considerava em condições de parar de fumar, mesmo que por um tempo, para se recuperar da lesão do tendão). Uma causa pouco comum de LER (Lesão por Esforço Repetitivo). Se pusermos fogo no papel do cigarro, diferentemente de qualquer outra forma de papel, ele se queimará sozinho, apenas com a brasinha acesa. O papel comum, se apagarmos a chama, parará de queimar. Façam esta experiência, é muito didática. Peguem um cigarro de alguém, retirem-lhe o fumo de seu interior, acendam-no e rapidamente apaguem-lhe a chama. Vejam o que ocorrerá. Depois, façam o mesmo com uma folha de caderno qualquer. Percebam a diferença...

Bom, voltando à nicotinha, uma forma mais recente, a mais recente de todas, é a de usar nicotina pura, como um adesivo, gomas de mascar ou spray nasal. Tem sido utilizada como tratamento dos fumantes, para que os indivíduos tenham os sintomas da síndrome de abstinência em nicotina reduzidos.

Qualquer uma destas maneiras de se entrar em contato com o alcalóide nicotina vicia (há comprovação de que o tratamento com nicotina não mantém alguém preso a ela_ se for para ficar dependente de nicotina, o fumante opta, inconscientemente, por voltar a fumar). Além de viciar, a nicotina provoca outras alterações no organismo, como já vimos. A verdade verdadeira, caríssimos adolescentes, é que os cigarros, os charutos, etc., nada mais são que veículos para a obtenção diária das doses de nicotina necessárias ao viciado. Tudo isto, é claro, recebendo o nome de "busca do prazer !?!". Um dos que me mandaram e-mails com opiniões, sugere que, em vez de estar escrito "área de fumantes", num determinado local, fosse colocado "área de dependentes de tabaco", o que talvez eu ainda alterasse para: "área de dependentes de nicotina".

Uma das ilusões ligadas ao tabagismo (e existem inúmeras), é expressa, com frequência, quando um fumante de cachimbo ou charuto diz: "o meu fumo não faz mal, pois, eu não trago", referindo-se ao fato de que os fumantes de cigarro sugam a fumaça para dentro dos pulmões, para, e só, assim sentirem-se satisfeitos, enquanto que eles, os que usam charutos e cachimbos, manteriam a fumaça "apenas" na boca. A ilusão de que isto seja mais saudável dá-se pelo fato de que, sendo a fumaça dos cigarros mais ácida, ela precisa ser aspirada até aos alvéolos para, então, entrar no sangue e, daí ao cérebro. O que acontece com a fumaça de cachimbos e charutos é que, por serem alcalinas, são absorvidas pela mucosa da boca, aí atingindo o trajeto sangue-cérebro, dispensando a ida até aos pulmões (alvéolos). Portanto, as substâncias tóxicas que afetam o organismo humano de forma tão grave, podem exercer este papel, não importando por qual via de acesso. Aliás, esta compreensão não poderia ser diferente, pois, se um indivíduo fuma para abastecer-se de nicotina, se um fumante de cachimbo ou charuto não a recebesse, certamente não continuaria a utilizá-los.

A nicotina fumada chega ao cérebro em 8 segundos. Se fosse aplicada diretamente na veia levaria 14 segundos para chegar lá.

Os charutos têm sido glamurizados ultimamente. Após a vitória na Taça Brasil de 1999, o nadador do Vasco, Gustavo Borges (o maior nome da história da natação brasileira) comemorou fumando charutos, aproveitando que sua criança acabara de nascer. O jogador Romário, do Flamengo, foi manchete de todos os jornais do Rio de Janeiro, após sagrar-se campeão do estado, ostentando o orgulho de vencedor fazendo o quê ? Fumando charuto. O Jô Soares, um dos talkshowmen mais prestigiados do país, não tem aparecido em nenhuma matéria jornalistica sem estar segurando um charuto. Várias matérias foram feitas com ele, registrando que agora existiria um charuto com o seu nome. Na última conquista do Chigago Bulls, no basquete americano da NBA, Michael Jordan , o maior jogador da história do esporte, também comemorou fumando cachimbo, sendo igualmente flagrado pelas lentes dos fotógrafos, para as manchetes dos jornais do dia seguinte. A diferença entre a atitude do Romário e a do Michael Jordan está na repercussão do fato pelas autoridades médicas locais. A Associação Médica Americana apresentou um protesto veemente contra o Jordan, acusando-o de hever dado um péssimo exemplo à juventude americana, enquanto que, no Brasil, tal fato não gerou qualquer constrangimento ou repreensão. É provável que esta diferença de atitudes esteja no fato de que lá, nos EUA, estão morrendo quase 500.000 pessoas por ano por causa do fumo e, talvez, equivocadamente, estejamos no Brasil (com 200.000 mortes anuais) e, em todo o terceiro-mundo, ainda pouco sensibilizados pelo problema.

Evitar alterações de saúde como estas, é uma tarefa para todos nós.


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