Pior para elas

Mulher que fuma chega à menopausa antes da hora e tem mais chances de sofrer infarto e câncer que os homens

Cláudia Miranda

23/jun/2002

O hábito de fumar faz tão mal para os homens quanto para as mulheres, certo? Errado. Estudos realizados ao longo dos últimos cinco anos mostraram que o organismo feminino é bem mais suscetível aos efeitos maléficos do fumo que o masculino. As mulheres estão mais sujeitas a desenvolver osteoporose, doenças cardiovasculares (como infartos e derrames) e câncer de pulmão que seus companheiros fumantes. O cigarro também leva à menopausa precoce e faz a pele de quem fuma envelhecer mais rápido. Para piorar a situação, pesquisas recentes feitas nos Estados Unidos e no Brasil comprovaram que as mulheres têm mais dificuldades em abandonar o vício que os homens.

O tabaco é mais nocivo para as fumantes porque as mais de 5.000 substâncias presentes no cigarro desregulam completamente a produção hormonal, fazendo com que o organismo secrete menos estrogênio, um dos hormônios mais importantes para a saúde da mulher. Com o passar do tempo, esse desequilíbrio aumenta a predisposição a uma série de doenças, deixa a pele mais ressecada, sem elasticidade e acelera o envelhecimento. A menopausa antes da hora é a consequência mais imediata. A falta de estrogênio também aumenta as chances de a mulher sofrer de osteoporose precoce e faz com que ela fique mais sujeita a morrer de infarto e derrame.

Segundo a American Heart Association, as fumantes têm o dobro de chances de sofrer um infarto que os fumantes - risco que aumenta dez vezes se ela também usar pílula anticoncepcional. ''Com menos estrogênio, a mulher perde sua proteção natural contra doenças cardíacas'', explica o pneumologista Alexandre Milagres, coordenador do Centro de Apoio ao Tabagista, que há 20 anos estuda os efeitos do consumo de cigarro. Mulheres que fumam também estão mais sujeitas a morrer de doenças cerebrovasculares, principalmente derrame. ''O hábito de fumar associado à queda da produção hormonal deixa os vasos capilares mais frágeis, aumentando o risco das mulheres apresentarem trombose e arteriosclerose'', diz José Luis Leal de Oliveira, psiquiatra da Clínica de Tabagismo e outras Compulsões.

A queda de estrogênio não é a única responsável pela maior vulnerabilidade feminina. Um estudo realizado há três anos em Nova York mostrou que o câncer de pulmão também afeta duas vezes mais as fumantes. Os pesquisadores do New York Presbyterian Hospital acompanharam 459 mulheres e 541 homens com mais de 60 anos, todos tabagistas. Dos 29 que haviam desenvolvido câncer de pulmão, 19 eram mulheres. Segundo Natasha Buckshee, coordenadora da pesquisa, as mulheres têm mais chances de apresentar a doença porque produzem em maior quantidade uma enzima que potencializa os efeitos cancerígenos do cigarro.

O hábito de fumar também eleva o risco de doenças que são exclusivamente femininas, como o câncer de mama e o de colo de útero, cuja incidência é 35% maior entre tabagistas. ''Já foi constatada a presença de nicotina nos fluidos das glândulas mamárias e do muco cervical de mulheres que sofrem desses tipos de câncer, mas ainda não foi encontrada nenhuma evidência que demonstre que o fumo possa provocar câncer de próstata nos homens'', afirma Alexandre Milagres, que criou um site (www.cigarro.med.br) com explicações detalhadas sobre os danos causados pelo cigarro em cada parte do organismo para servir de incentivo a quem quer largar o vício.

Esse tipo de iniciativa é importante sobretudo para as mulheres, que, além de sofrerem mais com os efeitos maléficos do cigarro, têm mais dificuldades que os homens para deixar de fumar. Uma pesquisa divulgada na semana passada pelo Instituto Nacional de Coração, Pulmão e Sangue - órgão do governo americano - mostra que o motivo principal que faz a mulher começar a fumar é o medo de engordar. Durante uma década, os pesquisadores acompanharam meninas de 9 e 10 anos para investigar por que escolhiam o cigarro. ''Elas deram várias respostas à pergunta de por que haviam começado: ter pais fumantes, consumir álcool, desejo de melhorar a auto-estima. Mas o fator mais relevante foi mesmo a preocupação com o peso'', afirmou a coordenadora da pesquisa, Carolyn Voorhees, da Universidade John Hopkins, na edição deste mês da revista Preventive Medicine.

É também por medo de engordar que a mulher termina desistindo dos tratamentos para parar de fumar. Uma pesquisa realizada com 300 pacientes atendidas ao longo dos últimos quatro anos na Clínica de Tabagismo e outras Compulsões, no Rio, mostrou que metade delas viam o ganho de peso como principal inimigo na hora de abandonar o cigarro. O Instituto do Coração de São Paulo, numa pesquisa realizada entre 1993 e 1995, já havia comprovado que 90% das mulheres fumantes acendem um cigarro para enganar a fome e manter a silhueta. A pesquisa paulistana acompanhou durante um ano os esforços de cem homens e mulheres para largar o vício. No grupo masculino, metade foi bem-sucedida. Já entre as mulheres, apenas 32% conseguiram parar de fumar.

O medo de engordar atrapalha, mas não é o único responsável pela incapacidade feminina em seguir à risca o tratamento antifumo. Um estudo coordenado pelo cientista Kenneth Perkins, da Universidade de Pittsburg, nos Estados Unidos, mostrou que os recursos usados para diminuir a fissura pelo cigarro - como a goma de mascar e o adesivo contendo nicotina - não funcionam tão bem nas mulheres como nos homens. Mesmo recebendo reposição de nicotina, elas continuavam tendo mais vontade de fumar que eles. Culpa das variações hormonais decorrentes do ciclo menstrual, que aumentam os sintomas de abstinência. Além disso, a associação entre depressão e tabagismo é mais forte nas mulheres. Por terem mais tendência a ficar deprimidas, elas costumam usar a nicotina como um estimulante para combater a prostração e a falta de entusiasmo . ''A mulher se automedica com o tabaco. Por isso, também tem mais dificuldades na hora de largar o cigarro'', explica o psiquiatra José Luis Leal de Oliveira.

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